Elton Alisson | Agência FAPESP – Dois estudos clínicos independentes – um conduzido por pesquisadores do Centro de Terapia Celular (CTC), em Ribeirão Preto, com o anticorpo monoclonal eculizumabe e outro por cientistas da Universidade da Pensilvânia (Estados Unidos) com uma droga experimental chamada AMY-101 – observaram um efeito anti-inflamatório importante, capaz de acelerar a recuperação de pacientes com COVID-19 em estado grave. Os resultados das duas pesquisas – que tinham como objetivo comparar o potencial terapêutico dos compostos – foram divulgados em artigo publicado na revista Clinical Immunology.
Os dois medicamentos foram administrados separadamente. O anticorpo monoclonal, que já é usado no tratamento de doenças hematológicas, foi testado em pacientes do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP). Já o candidato a fármaco desenvolvido pela farmacêutica norte-americana Amynda foi administrado a pacientes de um hospital em Milão, na Itália. Ambos apresentaram resultados promissores, mas como a molécula AMY-101 é mais barata e teve um desempenho ainda melhor no teste clínico, os dois grupos de pesquisa consideram testá-la em um grupo maior de pacientes no Brasil.
“Os dois compostos causaram uma resposta anti-inflamatória robusta que culminou em uma recuperação bastante rápida da função respiratória dos pacientes”, diz à Agência FAPESP Rodrigo Calado, coordenador do estudo no Hospital das Clínicas da FMRP-USP e integrante do CTC – um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) financiado pela FAPESP.
Os pesquisadores constataram que os benefícios terapêuticos do eculizumabe e da molécula AMY-101 foram proporcionados pela inibição de uma cadeia de proteínas do sangue responsáveis pela resposta imunológica, chamada sistema complemento.
A ativação persistente e descontrolada do sistema complemento é responsável pela resposta inflamatória exacerbada à infecção pelo SARS-CoV-2, caracterizada por um aumento sistêmico de citocinas pró-inflamatórias – conhecido como “tempestade de citocinas”.
Incapaz de impedir a infecção das células pelo vírus, o sistema complemento entra em uma espiral de ativação descontrolada e contínua que leva a uma infiltração maciça de monócitos e neutrófilos nos tecidos infectados. Esse quadro leva a danos inflamatórios persistentes das paredes dos vasos que circundam múltiplos órgãos vitais, à lesão microvascular disseminada e à trombose, culminando na falência de múltiplos órgãos.
“Estudos anteriores já apontavam o uso de inibidores do complemento como uma estratégia terapêutica promissora para melhorar a tromboinflamação em pacientes com COVID-19 e existiam relatos de casos com resultados positivos. Porém, não tinha sido elucidada a ação e avaliada a eficácia de medicamentos já usados no tratamento de doenças hematológicas causadas por alterações no complemento, como o eculizumabe, e candidatos a fármacos com essa função, a exemplo da AMY-101”, afirma Calado.
A fim de avançar nesse sentido, os pesquisadores fizeram dois estudos clínicos para comparar a eficácia biológica da eculizumabe com o peptídeo sintético AMY-101 em pequenas grupos independentes de pacientes com COVID-19 em estado grave.
Um grupo de dez pacientes internados no Hospital das Clínicas da FMRP-USP, com idade entre 18 e 80 anos, recebeu uma vez por semana durante o período de internação uma dose de 900 mg de eculizumabe – que inibe a proteína C5 do sistema complemento. Outros três pacientes internados em um hospital em Milão, na Itália, receberam durante a internação uma dose por semana de 5 mg de AMY-101, desenvolvida para inibir a proteína C3 do sistema complemento. Juntas, as proteínas C3 e C5 desempenham as atividades mais importantes no sistema complemento.
Os resultados das análises das respostas clínicas indicaram que o eculizumabe e a AMY-101 provocaram uma resposta anti-inflamatória robusta, refletida em um declínio acentuado nos níveis de proteína C reativa (CRP) e interleucina 6 (IL-6), que foi associado a uma melhora acentuada da função pulmonar dos pacientes.
A inibição da proteína C3 pela molécula AMY-101 proporcionou um controle terapêutico mais amplo, caracterizado pela recuperação mais rápida de linfócitos, declínio acentuado do número de neutrófilos e maior atenuação da tromboinflamação induzida pela resposta inflamatória exacerbada à infecção pelo SARS-CoV-2.
“Os resultados dos ensaios clínicos mostram que a inibição de componentes do sistema complemento causa uma diminuição bastante intensa da inflamação”, afirma Calado.
Novo estudo clínico
Em razão dos resultados promissores dos dois ensaios clínicos, os pesquisadores do CTC e da Universidade da Pensilvânia estão planejando realizar um estudo clínico de fase 3, com a participação de mais de 100 pacientes com COVID-19 em estado grave. Os pacientes serão tratados apenas com AMY-101, a fim de avaliar a eficácia da molécula de modo mais amplo.
O estudo será conduzido no Hospital das Clínicas da FMRP-USP e envolverá, provavelmente, outras instituições de pesquisa no país.“Uma das vantagens da AMY-101 é que o custo é muito menor do que o eculizumabe, que é um medicamentos mais caros”, compara Calado.
O artigo Complement C3 vs C5 inhibition in severe COVID-19: early clinical findings reveal differential biological efficacy (DOI: 10.1016/j.clim.2020.108598), de Dimitrios C. Mastellos, Bruno G. P. Pires da Silva, Benedito A. L. Fonseca, Natasha P. Fonseca, Maria A. Martins, Sara Mastaglio, Annalisa Ruggeri, Marina Sironi, Peter Rader macher, Akrivi Chrysanthopoulou, Panagiotis Skendros, Konstantinos Ritis, Ilenia Manfra, Simona Iacobelli, Markus Huber-Lang, Bo Nilsson, Despina Yancopoulou, E. Sander Connolly, Cecilia Garlanda, Fabio Ciceri, Antonio M. Risitano, Rodrigo T. Calado e John D. Lambris, pode ser lido na revista Clinical Immunology em www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1521661620307580.
Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.
Postar um comentário