O Município de Presidente Tancredo Neves entrou com pedido de Liminar no TJ-BA, solicitando a paralização da greve dos profissionais da Educação, organizada pela APLB-Sindicato. A categoria pede reajuste de 33,24% sancionado pelo Presidente Jair Bolsonaro. Na ação o município argumenta ser inviável conceder o reajuste solicitado e diz que apresentou propostas que foram recusadas pela categoria.
DECISÃO
Vistos etc.
Versam os presentes autos sobre Ação Declaratória de Ilegalidade de Greve, com pedido liminar, ajuizada pelo MUNICÍPIO DE PRESIDENTE TANCREDO NEVES contra APLB SINDICATO DOS TRABALHADORES EM EDUCAÇÃO DO ESTADO DA BAHIA- NUCLEO DE PRESIDENTE TANCREDO NEVE.
Relata a parte autora que, no dia 15 de março de 2022, a APLB – Sindicato Núcleo de Presidente Tancredo Neves encaminhou o Ofício 16/2022 à Secretaria Municipal de Educação, informando que os profissionais da educação deliberaram em assembleia, por unanimidade, pela decretação do estado de greve.
Alega que “a reivindicação do Sindicato Réu consiste na concessão do reajuste linear de exorbitantes 33,24% aos professores, em razão “do valor aluno ter tido um reajuste no percentual de 33,23%, no ano de 2021”. “
Argumenta que o Município tem realizado reuniões com o Sindicato, a fim de negociar com a categoria, mas que a parte ré está “reivindicando um valor completamente inviável para a realidade deste Município.”
Acrescenta que em uma das negociações, a parte autora apresentou a seguinte proposta recusada pela categoria: “- Quem possui nível I teria o aumento de 33,24%, chegando, portanto, ao piso nacional, conforme a reivindicação do Réu; - Quem possui nível II, foi ofertado o aumento de 14%, alcançando, igualmente, o piso nacional; - Por fim, aos profissionais que possuem o nível III, que já goza do piso nacional, seria realizado um estudo para analisar o impacto financeiro suportado pela municipalidade.” Destaca, outrossim, que em meio às negociações, a parte ré enviou o mencionado ofício 16/2022, comunicando a deflagração do estado de greve.
Salienta, ademais, a impossibilidade financeira do Município arcar com o aumento proposto, cujo montante acarretaria desequilíbrio nas contas públicas, situação demonstrada no relatório contábil colacionado aos autos.
Imputa ilegalidade ao movimento paredista, por violar diversos dispositivos sobre a Lei nº 7783/1989, sobre Greve, dentre os quais: a) realizar paralisação em meio às negociações; b) paralisação total em serviço essencial; e c) declaração de greve por prazo indeterminado. Realça a existência de direito de descontar os dias de paralisação.
Sobreleva que o relatório realizado pela empresa Recont Assessoria Contábil conclui que o aumento pretendido pela categoria comprometeria 94,50% dos recursos do FUNDEB e deixaria em descoberto a folha do pessoal de apoio, além de gerar um defict para o Município estimado em mais de R$ 3.500.000,00 (três milhões e quinhentos mil reais).
Sob a ótica do periculum in mora, argumenta que o movimento paredista por prazo indeterminado, ocasiona prejuízo aos estudantes que se beneficiam do serviço público.
Ao final, requer: “Seja deferida a tutela de urgência pleiteada, nos termos acima expendidos, com fulcro no art. 300, do CPC, determinando a imediata suspensão da greve decretada pelo Sindicato Réu, com a consequente retomada imediata das atividades dos profissionais de ensino representados pelo Demandado às suas funções na rede municipal de ensino, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais)”; e, no mérito, o julgamento “PROCEDENTE [d]a ação, confirmando a liminar acima expendida, para fins de declarar a ilegalidade da greve instaurada pelo Acionado, determinando o imediato retorno dos servidores às suas funções na rede municipal de ensino.”
A ação foi distribuída para a Seção Cível de Direito Público, recaindo sobre mim a sua relatoria.
Considerando insuficientemente esclarecidas as informações da peça vestibular e em razão da ausência de documento essencial ao processo, determinei ao ID 26810047 que a parte autora colacionasse aos autos o ofício n. 16/2022, bem como esclarecesse se greve foi ou não iniciada, sem ou com respeito ao prazo de 72 (setenta e duas horas) concedido à parte autora no Ofício 16/2022, bem como se ocasionou a paralisação total das atividades.
A municipalidade, atendendo à determinação judicial, apresentou a manifestação de ID 26906426 e os documentos de IDs 26906427 a 26906431, prestando os seguintes esclarecimentos adicionais:
a) que o início do ano letivo encontrava-se programado para 7/03/2022, não tendo havido aulas;
b) que entre 7/03/2022 e 01/04/2022, já foram 21 (vinte e um) dias de paralisação da rede municipal;
c) que o Município apresentou proposta de aumento para os professores “de 33,24% para os professores de nível I (chegando assim ao piso nacional); quem possui o nível II foi ofertado o valor de 14% (alcançando também o piso nacional), e ao nível III (que já alcança o piso) seria feito um estudo para poder ver o impacto financeiro suportado;”
d) que o “o Município de Tancredo Neves, em 04/03/22, há exatos 30 dias, já aplicava o que exatamente prevê a atualização do magistério nacional, ou seja, nenhum servidor receberia abaixo do piso nacional, na esteira do que respondeu o TCM/Ba uma consulta realizada pela União dos Prefeitos da Bahia”;
e) que o Ofício 16/2022, de 15/03/2022, em verdade formaliza uma paralisação que já ocorria com 100% de interrupção das atividades desde o dia 07/03/2022.
Eis o que pode ser traçado à conta do relatório dos autos, em obediência ao regramento do art. 489, inc. I, c/c 931, ambos do CPC.
Decido.
Discute-se nos presentes autos a legalidade do movimento grevista deflagrado pelos professores do Município de Tancredo Neves, nos termos do ofício encaminhado pelo sindicato representativo da categoria ao Município.
Esclarece o Município que a paralisação da categoria iniciou em 07/03/2022, ou seja, anteriormente ao recebimento do ofício 16/2022, que decretava o estado de greve, a começar após 72 (setenta e duas) horas da referida comunicação, e em desrespeito a Lei 7.783/1989.
Pretende, em sede de tutela provisória, o reconhecimento da ilegalidade da greve, decretada pelos servidores municipais da educação do Município de Tancredo Neves, “determinando a imediata suspensão da greve decretada pelo Sindicato Réu, com a consequente retomada imediata das atividades dos profissionais de ensino representados pelo Demandado às suas funções na rede municipal de ensino, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais)“
Como é sabido, a concessão de tutelas de urgência submete-se ao atendimento de requisitos específicos pela parte interessada que, a teor do art. 300 do CPC1, deverá demonstrar a probabilidade de direito (fumus boni iuris), o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo (periculum in mora).
Sobre o primeiro requisito, lecionam Freddie Diddier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira que “a probabilidade do direito a ser provisoriamente satisfeito/realizado ou acautelado é a plausibilidade de existência desse mesmo direito. O bem conhecido fumus boni iuris (fumaça do bom direito). (…) Inicial mente, é necessária a verossimilhança fática, com a constatação de que há um considerável grau de probabilidade em torno da narrativa dos fatos trazidos pelo autor. É preciso que se visualize, nessa narrativa, uma verdade provável dos fatos, independentemente da produção de prova.”
E complementam: “ Junto a isso, deve haver uma plausibilidade jurídica, com a verificação de que é provável a subsunção dos fatos à norma invocada, conduzindo os efeitos pretendidos.” 2
Assim, para analisar a plausibilidade jurídica da pretensão, há que se ter em conta que a greve é um direito social, previsto na Constituição Federal de 1988, em seu art. 9º, nos seguintes termos:
Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.
§ 1º A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.
§ 2º Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei.
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: VII - o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica;
A disposição constitucional sobre o direito de greve quanto aos servidores públicos possui eficácia limitada, uma vez que dependeria de prévia edição de ato legislativo a regulamentar sua prática.
No entanto, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a omissão legislativa quanto à regulamentação do direito, nos julgamentos dos Mandados de Injunção 670, 708 e 712, tendo esta Corte parametrizado, em diversos julgamentos, o exercício do direito de greve no serviço público.
Nesse sentido, primeiro ponto assente é que para colmatar a ausência de regulamentação legal específica para a greve no serviço público, aplica-se, no que couber, as regras das Leis 7.701/1988 e 7.783/1989, sobre greve no setor privado. A ilustrar o entendimento:
EMENTA EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM MANDADO DE INJUNÇÃO. DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS. LACUNA REGULAMENTADORA COLMATADA POR MEIO DA APLICAÇÃO, NO QUE COUBER, DAS LEIS Nºs 7.701/1988 E 7.783/1989. ALEGADA INCERTEZA QUANTO AO ALCANCE DA ORDEM CONCEDIDA, CONSIDERADAS AS CARREIRAS TÍPICAS DE ESTADO. ACÓRDÃO EMBARGADO QUE ENUNCIA PROPOSIÇÕES GENÉRICAS E CONTEMPLA A ADOÇÃO, EM CASOS ESPECÍFICOS, DE REGIME MAIS SEVERO. OMISSÃO INEXISTENTE. CARÁTER MERAMENTE INFRINGENTE. 1. Não se prestam os embargos de declaração, não obstante sua vocação democrática e a finalidade precípua de aperfeiçoamento da prestação jurisdicional, para o reexame das questões já apreciadas no acórdão embargado. 2. Ausente omissão justificadora da oposição de embargos declaratórios, a evidenciar o caráter meramente infringente da insurgência. 3. Embargos de declaração rejeitados. (STF. MI 670 ED/ ES. Relator (a): Min. ROSA WEBER. Julgamento: 06/03/2020. Publicação: 20/03/2020)
MANDADO DE INJUNÇÃO. DIREITO DE GREVE DO SERVIDOR PÚBLICO. ARTIGO 37, VII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NECESSIDADE DE INTEGRAÇÃO LEGISLATIVA. OMISSÃO DO CONGRESSO NACIONAL. 1. Servidor público. Exercício do direito público subjetivo de greve. Necessidade de integralização da norma prevista no artigo 37, VII, da Constituição Federal, mediante edição de lei complementar, para definir os termos e os limites do exercício do direito de greve no serviço público. Precedentes. 2. Observância às disposições da Lei 7.783/89, ante a ausência de lei complementar, para regular o exercício do direito de greve dos serviços públicos. Aplicação dos métodos de integração da norma, em face da lacuna legislativa. Impossibilidade. A hipótese não é de existência de lei omissa, mas de ausência de norma reguladora específica. Mandado de injunção conhecido em parte e, nessa parte, deferido, para declarar a omissão legislativa.
(STF - MI: 485 MT, Relator: Min. MAURÍCIO CORRÊA, Data de Julgamento: 25/04/2002, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 23-08-2002 PP-00071 EMENT VOL-02079-01 PP-00001)
Portanto, o regramento sobre a greve de servidores públicos civis passou a ser parametrizado pela jurisprudência do STF, norteado pela aplicação das leis 7.701/1988, que dispõe sobre a especialização de Turmas dos Tribunais do Trabalho em processos coletivo, 7.783/1989, que disciplina o direito de greve, e pelo princípio da continuidade do serviço público.
Por sua vez, acerca dos dispositivos da Lei 7.783/1989, destaca-se:
Art. 1º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.
Parágrafo único. O direito de greve será exercido na forma estabelecida nesta Lei.
Art. 2º Para os fins desta Lei, considera-se legítimo exercício do direito de greve a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador.
Art. 3º Frustrada a negociação ou verificada a impossibilidade de recursos via arbitral, é facultada a cessação coletiva do trabalho. Parágrafo único. A entidade patronal correspondente ou os empregadores diretamente interessados serão notificados, com antecedência mínima de 48 (quarenta e oito) horas, da paralisação. (...)
Art. 6º São assegurados aos grevistas, dentre outros direitos:
I - o emprego de meios pacíficos tendentes a persuadir ou aliciar os trabalhadores a aderirem à greve;
§ 1º Em nenhuma hipótese, os meios adotados por empregados e empregadores poderão violar ou constranger os direitos e garantias fundamentais de outrem.
§ 2º É vedado às empresas adotar meios para constranger o empregado ao comparecimento ao trabalho, bem como capazes de frustrar a divulgação do movimento.
§ 3º As manifestações e atos de persuasão utilizados pelos grevistas não poderão impedir o acesso ao trabalho nem causar ameaça ou dano à propriedade ou pessoa.
Art. 9º Durante a greve, o sindicato ou a comissão de negociação, mediante acordo com a entidade patronal ou diretamente com o empregador, manterá em atividade equipes de empregados com o propósito de assegurar os serviços cuja paralisação resultem em prejuízo irreparável, pela deterioração irreversível de bens, máquinas e equipamentos, bem como a manutenção daqueles essenciais à retomada das atividades da empresa quando da cessação do movimento.
Parágrafo único. Não havendo acordo, é assegurado ao empregador, enquanto perdurar a greve, o direito de contratar diretamente os serviços necessários a que se refere este artigo.
Art. 11. Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.
Parágrafo único. São necessidades inadiáveis, da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população.
Art. 13 Na greve, em serviços ou atividades essenciais, ficam as entidades sindicais ou os trabalhadores, conforme o caso, obrigados a comunicar a decisão aos empregadores e aos usuários com antecedência mínima de 72 (setenta e duas) horas da paralisação.
Art. 14 Constitui abuso do direito de greve a inobservância das normas contidas na presente Lei, bem como a manutenção da paralisação após a celebração de acordo, convenção ou decisão da Justiça do Trabalho.
Nos termos da legislação, é legitima a paralisação das atividades no exercício do direito de greve, mediante o atendimento dos seguintes requisitos:
a) prévia tentativa de negociação (art. 3º);
b) aprovação em assembleia geral com deliberação sobre a paralisação coletiva da prestação de serviços; (art. 4º)
c) comunicação ao empregador (Administração) e aos usuários do serviço, com antecedência mínima definida de acordo com a essencialidade do serviço; (arts. 3º parágrafo único e 13º)
d) garantia de continuidade dos serviços essenciais, mediante a permanência em atividade de uma parcela dos profissionais, para garantir a continuidade do serviço público. (Art. 11)
Dessarte, o exercício da greve é direito legítimo também para os servidores públicos, a ser livremente decidido pela categoria, mesmo nas hipóteses envolvendo atividades consideradas essenciais, desde que observados os requisitos legais para a sua decretação.
Por derradeiro, releva pontuar que o serviço público de educação, como direito fundamental garantido pela Constituição Federal, nos termos do art. 205 da CF3, tem reconhecido a sua essencialidade também para fins de enquadramento nos requisitos do exercício do direito de greve. A ilustrar, as seguinte ementas:
EMENTA. AÇÃO DECLARATÓRIA DE ILEGALIDADE DE GREVE. EDUCAÇÃO. NULIDADE DA CITAÇÃO. PRELIMINAR REJEITADA. SERVIÇO PÚBLICO ESSENCIAL. PARALISAÇÃO. REQUISITOS. INOBSERVÂNCIA, NA ESPÉCIE. ILEGALIDADE DECLARADA. DIAS PARALISADOS. REPOSIÇÃO. LEGALIDADE. PROCEDÊNCIA PARCIAL DA AÇÃO. Eventual irregularidade da citação não enseja a nulidade do feito, se o Réu compareceu a todas as fases e atos do processo, devidamente assistido por advogado regularmente constituído, sem comprovar qualquer prejuízo efetivo. Aos servidores públicos é garantido o direito de greve, a eles se aplicando, por analogia, a Lei nº 7783/1989, reguladora do direito de greve dos trabalhadores do setor privado. A educação constitui serviço público essencial, admitindo-se seja sua prestação paralisada, desde que mantido um efetivo mínimo garantidor da continuidade de sua prestação e haja comunicação prévia de 72 horas. ( Lei de Greve, arts. 9º e 13). Requisitos não atendidos, na espécie. Reconhecida a ilegalidade do movimento paredista, a determinação de reposição dos dias de paralisação é medida que se impõe. Julgado o mérito da ação o agravo interno resta prejudicado. Procedência parcial da ação. (TJ-BA - AGV: 80114427920188050000, Relator: TELMA LAURA SILVA BRITTO, SEÇÃO CÍVEL DE DIREITO PÚBLICO, Data de Publicação: 29/05/2021)
“DIREITO PROCESSUAL CIVIL. PROCEDIMENTO COMUM. MOVIMENTO PAREDISTA DEFLAGRADO PELOS SERVIDORES DA EDUCAÇÃO DO MUNICÍPIO DE CARDEAL DA SILVA. INOBSERVÂNCIA ÀS REGRAS DOS ARTS. 4º, 11 E 13, DA LEI 7.783/1989. ILEGALIDADE DECLARADA. DESCONTO DOS DIAS NÃO LABORADOS PELOS SERVIDORES QUE ADERIRAM AO MOVIMENTO GREVISTA. POSSIBILIDADES. PRECEDENTES DO STF. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. 1. Aos servidores públicos é garantido o direito de greve, sendo a eles aplicáveis, de forma subsidiária, as regras da Lei 7.783/1989, com parâmetros definidos pela Corte Suprema. 2. Para que o movimento seja declarado legal e não abusivo, faz-se necessária a (a) prévia tentativa de negociação; (b) aprovação em assembleia geral com deliberação sobre a paralisação coletiva da prestação de serviços; (c) comunicação ao empregador (Administração) e aos usuários do serviço, com antecedência mínima de 72 horas, tratando-se de serviços essenciais; e (d) manutenção de percentual mínimo de servidores em atividade. 3. A educação constitui-se como serviço público essencial, sendo admissível a paralisação da sua prestação desde que esgotados todos os meios de negociação, haja comunicação prévia à Administração e aos usuários com antecedência mínima de 72 horas e que seja garantido um percentual mínimo de servidores para garantir a continuidade do serviço. 4. A inobservância aos critérios legais e parâmetros jurisprudenciais definidos pela Suprema Corte ocasiona a abusividade do movimento, que deve ser declarado ilegal. 5. Considerando ainda a utilização analógica da Lei da Greve aos servidores públicos, é perfeitamente viável o desconto dos dias não laborados pelos funcionários que aderiram ao movimento (RE 693.456), ressalvada a adoção, em benefício dos grevistas, de medidas autocompositivas previstas na parte final do art. 7º, da Lei 7.783/1989, ou se a greve tiver sido motivada pela falta de pagamento de salários. 6. Ação que se julga procedente, para o fim de declarar a ilegalidade da greve e para permitir o desconto dos dias não laborados pelos servidores que a ela aderiram.”(TJ-BA - Procedimento Comum: 00193540620178050000, Relator: Raimundo Sérgio Sales Cafezeiro, Seção Cível de Direito Público, Data de Publicação: 31/01/2019)
Pois bem.
Passando a analisar as circunstâncias fáticas em derredor do pedido de tutela de urgência, em sede de cognição sumária, como é próprio desta fase processual, constata-se certas incongruências entre as informações prestadas pela Municipalidade na peça exordial e na manifestação de ID 26906427, situação que fragiliza a plausibilidade do direito para concessão da antecipação da tutela, na amplitude vindicada.
Inicialmente, cabe realçar que o Município não questionou a legitimidade da assembleia para deliberar pela categoria, nem a existência de comunicação aos usuários do serviços, circunstâncias que tornam despiciendo o exame dos citados requisitos.
No pertinente à argumentação de que houve interrupção das negociações em curso, os documentos coligidos até então nos presentes autos indiciam a existência de um impasse nas negociações, tendo a categoria recusado a proposta apresentada pela municipalidade.
Destaca-se, que o Município afirmou expressamente não pagar o piso salarial nacional para, pelo menos, dois níveis da carreira de professores, uma vez que sua proposta era de proceder aumento remuneratório de: “33,24% para os professores de nível I (chegando assim ao piso nacional); quem possui o nível II foi ofertado o valor de 14% (alcançando também o piso nacional), e ao nível III (que já alcança o piso) seria feito um estudo para poder ver o impacto financeiro suportado”.
No pertinente à data de início do movimento paredista, a petição de ID 26906427, alterando exponencialmente as informações exordiais, aduziu que a paralisação das atividades deu-se a partir de 07/03/2022 sem, contudo, corroborar documentalmente suas alegações. Saliente-se que os informes de paralisação apresentados na petição de ID 26906427 e no áudio de ID 26634049, anunciam paralisações em datas isoladas (07/03/2022).
Com efeito, os documentos colacionados aos autos são hábeis a demonstrar que: a) houve paralisação em 07/03/2022, com duração de um dia; e b) o ofício n. 16/2022, subscrito pelo Coordenador em exercício do Núcleo de Presidente Tancredo Neves da APLB, anunciou o início da greve transcorrido 72 (setenta e duas) horas do dia 15/03/2022.
Diversamente, há que se reconhecer a existência de indícios de violação à lei de greve, no pertinente à manutenção da continuidade dos serviços com um número mínimo de servidores.
Isto porque, tratando-se de serviço público na área da educação, é pacífico o seu reconhecimento como atividade essencial, consoante reiterada manifestação jurisprudencial, inclusive deste Tribunal de Justiça, cabendo ao Sindicato garantir a continuidade dos serviços, mediante a permanência de um percentual de servidores em atividade.
No entanto, o mencionado ofício 16/2022, que formalizou a deflagração do estado de greve após 72 (setenta e duas) horas4, não garantiu a manutenção de número mínimo de servidores em atividades.
Por conseguinte, vislumbra-se aparente violação às disposições do art. 11, da Lei 7.783/1989, circunstância que repercute na abusividade da forma como o direito de greve é exercido.
Constata-se, pois, ainda que parcialmente, o fumus boni iuris.
No concernente ao periculum in mora, não há como negar que a paralisação da atividade educacional impacta negativamente a comunidade usuária do serviço essencial que, aliás, já sofreu com paralisação anterior, em razão da Pandemia do Coronavirus. Finalmente, sobre a possibilidade de dedução dos dias de paralisação, o STF fixou o posicionamento, em recurso que tramitou sob o regime de repercussão geral que:
“A administração pública deve proceder ao desconto dos dias de paralisação decorrentes do exercício do direito de greve pelos servidores públicos, em virtude da suspensão do vínculo funcional que dela decorre, permitida a compensação em caso de acordo. O desconto será, contudo, incabível se ficar demonstrado que a greve foi provocada por conduta ilícita do Poder Público.’ (RE 693.456/RJ).”
Assim, o cabimento de descontos ou compensação há que ser analisado no julgamento do mérito da ação.
Por conseguinte e sem que esta decisão vincule o entendimento deste Relator acerca do mérito causae, os elementos indiciários constantes dos autos demonstram o fumus boni iuris e o periculum in mora autorizadores da concessão parcial do pedido de tutela antecipada, para determinar que a parte ré, no prazo de 48 horas (quarenta e oito) horas:
a) garanta a continuidade do serviço público educacional, com a presença de, no mínimo, 30% (trinta por cento) dos servidores que integram a categoria;
b) obste os integrantes da categoria de praticarem atos que impeçam ou constranjam a parcela de servidores que garantirão a prestação dos serviços, bem como quaisquer outros que não pretendam aderir a greve de ingressar nos ambientes de trabalho e desempenhar suas atribuições laborais na rede municipal de ensino.
2. Conclusão
Ante o exposto, sem que esta decisão vincule o entendimento do relator acerca do mérito causae, DEFIRO parcialmente o pedido de antecipação da tutela para determinar que a parte ré, no prazo de 48 horas (quarenta e oito) horas:
a) garanta a continuidade do serviço público educacional, com a presença de, no mínimo, 30% (trinta por cento) dos servidores que integram a categoria;
b) obste os integrantes da categoria de praticarem atos que impeçam ou constranjam a parcela de servidores que garantirão a prestação dos serviços, bem como quaisquer outros que não pretendam aderir a greve, de ingressar nos ambientes de trabalho e desempenhar suas atribuições laborais na rede municipal de ensino.
Comina-se, em caso de incumprimento ou mora no cumprimento da tutela provisória, multa diária de R$ R$ 1.000,00 (mil reais), intimando-se pessoalmente os representantes legais da parte ré, em observância da Súmula 410 do STJ5.
Cite-se a parte demandada para contestar esta ação no prazo de lei, sob pena de revelia.
Após, retornem-me os autos conclusos.
Em atenção aos princípios da celeridade e economia processual, atribuo à presente decisão força de MANDADO/OFÍCIO.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Salvador, 7 de abril de 2022.
DES. GEDER LUIZ ROCHA GOMES
RELATOR
Nesta quinta-feira(07), saiu a decisão do Desembargador responsável pelo caso. Foi determinado que os profissionais retornem ao trabalho, sob risco de pagar R$ 1.000,00 de multa por dia.
Veja a decisão abaixo:
DECISÃO
Vistos etc.
Versam os presentes autos sobre Ação Declaratória de Ilegalidade de Greve, com pedido liminar, ajuizada pelo MUNICÍPIO DE PRESIDENTE TANCREDO NEVES contra APLB SINDICATO DOS TRABALHADORES EM EDUCAÇÃO DO ESTADO DA BAHIA- NUCLEO DE PRESIDENTE TANCREDO NEVE.
Relata a parte autora que, no dia 15 de março de 2022, a APLB – Sindicato Núcleo de Presidente Tancredo Neves encaminhou o Ofício 16/2022 à Secretaria Municipal de Educação, informando que os profissionais da educação deliberaram em assembleia, por unanimidade, pela decretação do estado de greve.
Alega que “a reivindicação do Sindicato Réu consiste na concessão do reajuste linear de exorbitantes 33,24% aos professores, em razão “do valor aluno ter tido um reajuste no percentual de 33,23%, no ano de 2021”. “
Argumenta que o Município tem realizado reuniões com o Sindicato, a fim de negociar com a categoria, mas que a parte ré está “reivindicando um valor completamente inviável para a realidade deste Município.”
Acrescenta que em uma das negociações, a parte autora apresentou a seguinte proposta recusada pela categoria: “- Quem possui nível I teria o aumento de 33,24%, chegando, portanto, ao piso nacional, conforme a reivindicação do Réu; - Quem possui nível II, foi ofertado o aumento de 14%, alcançando, igualmente, o piso nacional; - Por fim, aos profissionais que possuem o nível III, que já goza do piso nacional, seria realizado um estudo para analisar o impacto financeiro suportado pela municipalidade.” Destaca, outrossim, que em meio às negociações, a parte ré enviou o mencionado ofício 16/2022, comunicando a deflagração do estado de greve.
Salienta, ademais, a impossibilidade financeira do Município arcar com o aumento proposto, cujo montante acarretaria desequilíbrio nas contas públicas, situação demonstrada no relatório contábil colacionado aos autos.
Imputa ilegalidade ao movimento paredista, por violar diversos dispositivos sobre a Lei nº 7783/1989, sobre Greve, dentre os quais: a) realizar paralisação em meio às negociações; b) paralisação total em serviço essencial; e c) declaração de greve por prazo indeterminado. Realça a existência de direito de descontar os dias de paralisação.
Sobreleva que o relatório realizado pela empresa Recont Assessoria Contábil conclui que o aumento pretendido pela categoria comprometeria 94,50% dos recursos do FUNDEB e deixaria em descoberto a folha do pessoal de apoio, além de gerar um defict para o Município estimado em mais de R$ 3.500.000,00 (três milhões e quinhentos mil reais).
Sob a ótica do periculum in mora, argumenta que o movimento paredista por prazo indeterminado, ocasiona prejuízo aos estudantes que se beneficiam do serviço público.
Ao final, requer: “Seja deferida a tutela de urgência pleiteada, nos termos acima expendidos, com fulcro no art. 300, do CPC, determinando a imediata suspensão da greve decretada pelo Sindicato Réu, com a consequente retomada imediata das atividades dos profissionais de ensino representados pelo Demandado às suas funções na rede municipal de ensino, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais)”; e, no mérito, o julgamento “PROCEDENTE [d]a ação, confirmando a liminar acima expendida, para fins de declarar a ilegalidade da greve instaurada pelo Acionado, determinando o imediato retorno dos servidores às suas funções na rede municipal de ensino.”
A ação foi distribuída para a Seção Cível de Direito Público, recaindo sobre mim a sua relatoria.
Considerando insuficientemente esclarecidas as informações da peça vestibular e em razão da ausência de documento essencial ao processo, determinei ao ID 26810047 que a parte autora colacionasse aos autos o ofício n. 16/2022, bem como esclarecesse se greve foi ou não iniciada, sem ou com respeito ao prazo de 72 (setenta e duas horas) concedido à parte autora no Ofício 16/2022, bem como se ocasionou a paralisação total das atividades.
A municipalidade, atendendo à determinação judicial, apresentou a manifestação de ID 26906426 e os documentos de IDs 26906427 a 26906431, prestando os seguintes esclarecimentos adicionais:
a) que o início do ano letivo encontrava-se programado para 7/03/2022, não tendo havido aulas;
b) que entre 7/03/2022 e 01/04/2022, já foram 21 (vinte e um) dias de paralisação da rede municipal;
c) que o Município apresentou proposta de aumento para os professores “de 33,24% para os professores de nível I (chegando assim ao piso nacional); quem possui o nível II foi ofertado o valor de 14% (alcançando também o piso nacional), e ao nível III (que já alcança o piso) seria feito um estudo para poder ver o impacto financeiro suportado;”
d) que o “o Município de Tancredo Neves, em 04/03/22, há exatos 30 dias, já aplicava o que exatamente prevê a atualização do magistério nacional, ou seja, nenhum servidor receberia abaixo do piso nacional, na esteira do que respondeu o TCM/Ba uma consulta realizada pela União dos Prefeitos da Bahia”;
e) que o Ofício 16/2022, de 15/03/2022, em verdade formaliza uma paralisação que já ocorria com 100% de interrupção das atividades desde o dia 07/03/2022.
Eis o que pode ser traçado à conta do relatório dos autos, em obediência ao regramento do art. 489, inc. I, c/c 931, ambos do CPC.
Decido.
Discute-se nos presentes autos a legalidade do movimento grevista deflagrado pelos professores do Município de Tancredo Neves, nos termos do ofício encaminhado pelo sindicato representativo da categoria ao Município.
Esclarece o Município que a paralisação da categoria iniciou em 07/03/2022, ou seja, anteriormente ao recebimento do ofício 16/2022, que decretava o estado de greve, a começar após 72 (setenta e duas) horas da referida comunicação, e em desrespeito a Lei 7.783/1989.
Pretende, em sede de tutela provisória, o reconhecimento da ilegalidade da greve, decretada pelos servidores municipais da educação do Município de Tancredo Neves, “determinando a imediata suspensão da greve decretada pelo Sindicato Réu, com a consequente retomada imediata das atividades dos profissionais de ensino representados pelo Demandado às suas funções na rede municipal de ensino, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais)“
Como é sabido, a concessão de tutelas de urgência submete-se ao atendimento de requisitos específicos pela parte interessada que, a teor do art. 300 do CPC1, deverá demonstrar a probabilidade de direito (fumus boni iuris), o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo (periculum in mora).
Sobre o primeiro requisito, lecionam Freddie Diddier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira que “a probabilidade do direito a ser provisoriamente satisfeito/realizado ou acautelado é a plausibilidade de existência desse mesmo direito. O bem conhecido fumus boni iuris (fumaça do bom direito). (…) Inicial mente, é necessária a verossimilhança fática, com a constatação de que há um considerável grau de probabilidade em torno da narrativa dos fatos trazidos pelo autor. É preciso que se visualize, nessa narrativa, uma verdade provável dos fatos, independentemente da produção de prova.”
E complementam: “ Junto a isso, deve haver uma plausibilidade jurídica, com a verificação de que é provável a subsunção dos fatos à norma invocada, conduzindo os efeitos pretendidos.” 2
Assim, para analisar a plausibilidade jurídica da pretensão, há que se ter em conta que a greve é um direito social, previsto na Constituição Federal de 1988, em seu art. 9º, nos seguintes termos:
Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.
§ 1º A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.
§ 2º Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei.
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: VII - o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica;
A disposição constitucional sobre o direito de greve quanto aos servidores públicos possui eficácia limitada, uma vez que dependeria de prévia edição de ato legislativo a regulamentar sua prática.
No entanto, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a omissão legislativa quanto à regulamentação do direito, nos julgamentos dos Mandados de Injunção 670, 708 e 712, tendo esta Corte parametrizado, em diversos julgamentos, o exercício do direito de greve no serviço público.
Nesse sentido, primeiro ponto assente é que para colmatar a ausência de regulamentação legal específica para a greve no serviço público, aplica-se, no que couber, as regras das Leis 7.701/1988 e 7.783/1989, sobre greve no setor privado. A ilustrar o entendimento:
EMENTA EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM MANDADO DE INJUNÇÃO. DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS. LACUNA REGULAMENTADORA COLMATADA POR MEIO DA APLICAÇÃO, NO QUE COUBER, DAS LEIS Nºs 7.701/1988 E 7.783/1989. ALEGADA INCERTEZA QUANTO AO ALCANCE DA ORDEM CONCEDIDA, CONSIDERADAS AS CARREIRAS TÍPICAS DE ESTADO. ACÓRDÃO EMBARGADO QUE ENUNCIA PROPOSIÇÕES GENÉRICAS E CONTEMPLA A ADOÇÃO, EM CASOS ESPECÍFICOS, DE REGIME MAIS SEVERO. OMISSÃO INEXISTENTE. CARÁTER MERAMENTE INFRINGENTE. 1. Não se prestam os embargos de declaração, não obstante sua vocação democrática e a finalidade precípua de aperfeiçoamento da prestação jurisdicional, para o reexame das questões já apreciadas no acórdão embargado. 2. Ausente omissão justificadora da oposição de embargos declaratórios, a evidenciar o caráter meramente infringente da insurgência. 3. Embargos de declaração rejeitados. (STF. MI 670 ED/ ES. Relator (a): Min. ROSA WEBER. Julgamento: 06/03/2020. Publicação: 20/03/2020)
MANDADO DE INJUNÇÃO. DIREITO DE GREVE DO SERVIDOR PÚBLICO. ARTIGO 37, VII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NECESSIDADE DE INTEGRAÇÃO LEGISLATIVA. OMISSÃO DO CONGRESSO NACIONAL. 1. Servidor público. Exercício do direito público subjetivo de greve. Necessidade de integralização da norma prevista no artigo 37, VII, da Constituição Federal, mediante edição de lei complementar, para definir os termos e os limites do exercício do direito de greve no serviço público. Precedentes. 2. Observância às disposições da Lei 7.783/89, ante a ausência de lei complementar, para regular o exercício do direito de greve dos serviços públicos. Aplicação dos métodos de integração da norma, em face da lacuna legislativa. Impossibilidade. A hipótese não é de existência de lei omissa, mas de ausência de norma reguladora específica. Mandado de injunção conhecido em parte e, nessa parte, deferido, para declarar a omissão legislativa.
(STF - MI: 485 MT, Relator: Min. MAURÍCIO CORRÊA, Data de Julgamento: 25/04/2002, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 23-08-2002 PP-00071 EMENT VOL-02079-01 PP-00001)
Portanto, o regramento sobre a greve de servidores públicos civis passou a ser parametrizado pela jurisprudência do STF, norteado pela aplicação das leis 7.701/1988, que dispõe sobre a especialização de Turmas dos Tribunais do Trabalho em processos coletivo, 7.783/1989, que disciplina o direito de greve, e pelo princípio da continuidade do serviço público.
Por sua vez, acerca dos dispositivos da Lei 7.783/1989, destaca-se:
Art. 1º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.
Parágrafo único. O direito de greve será exercido na forma estabelecida nesta Lei.
Art. 2º Para os fins desta Lei, considera-se legítimo exercício do direito de greve a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador.
Art. 3º Frustrada a negociação ou verificada a impossibilidade de recursos via arbitral, é facultada a cessação coletiva do trabalho. Parágrafo único. A entidade patronal correspondente ou os empregadores diretamente interessados serão notificados, com antecedência mínima de 48 (quarenta e oito) horas, da paralisação. (...)
Art. 6º São assegurados aos grevistas, dentre outros direitos:
I - o emprego de meios pacíficos tendentes a persuadir ou aliciar os trabalhadores a aderirem à greve;
§ 1º Em nenhuma hipótese, os meios adotados por empregados e empregadores poderão violar ou constranger os direitos e garantias fundamentais de outrem.
§ 2º É vedado às empresas adotar meios para constranger o empregado ao comparecimento ao trabalho, bem como capazes de frustrar a divulgação do movimento.
§ 3º As manifestações e atos de persuasão utilizados pelos grevistas não poderão impedir o acesso ao trabalho nem causar ameaça ou dano à propriedade ou pessoa.
Art. 9º Durante a greve, o sindicato ou a comissão de negociação, mediante acordo com a entidade patronal ou diretamente com o empregador, manterá em atividade equipes de empregados com o propósito de assegurar os serviços cuja paralisação resultem em prejuízo irreparável, pela deterioração irreversível de bens, máquinas e equipamentos, bem como a manutenção daqueles essenciais à retomada das atividades da empresa quando da cessação do movimento.
Parágrafo único. Não havendo acordo, é assegurado ao empregador, enquanto perdurar a greve, o direito de contratar diretamente os serviços necessários a que se refere este artigo.
Art. 11. Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.
Parágrafo único. São necessidades inadiáveis, da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população.
Art. 13 Na greve, em serviços ou atividades essenciais, ficam as entidades sindicais ou os trabalhadores, conforme o caso, obrigados a comunicar a decisão aos empregadores e aos usuários com antecedência mínima de 72 (setenta e duas) horas da paralisação.
Art. 14 Constitui abuso do direito de greve a inobservância das normas contidas na presente Lei, bem como a manutenção da paralisação após a celebração de acordo, convenção ou decisão da Justiça do Trabalho.
Nos termos da legislação, é legitima a paralisação das atividades no exercício do direito de greve, mediante o atendimento dos seguintes requisitos:
a) prévia tentativa de negociação (art. 3º);
b) aprovação em assembleia geral com deliberação sobre a paralisação coletiva da prestação de serviços; (art. 4º)
c) comunicação ao empregador (Administração) e aos usuários do serviço, com antecedência mínima definida de acordo com a essencialidade do serviço; (arts. 3º parágrafo único e 13º)
d) garantia de continuidade dos serviços essenciais, mediante a permanência em atividade de uma parcela dos profissionais, para garantir a continuidade do serviço público. (Art. 11)
Dessarte, o exercício da greve é direito legítimo também para os servidores públicos, a ser livremente decidido pela categoria, mesmo nas hipóteses envolvendo atividades consideradas essenciais, desde que observados os requisitos legais para a sua decretação.
Por derradeiro, releva pontuar que o serviço público de educação, como direito fundamental garantido pela Constituição Federal, nos termos do art. 205 da CF3, tem reconhecido a sua essencialidade também para fins de enquadramento nos requisitos do exercício do direito de greve. A ilustrar, as seguinte ementas:
EMENTA. AÇÃO DECLARATÓRIA DE ILEGALIDADE DE GREVE. EDUCAÇÃO. NULIDADE DA CITAÇÃO. PRELIMINAR REJEITADA. SERVIÇO PÚBLICO ESSENCIAL. PARALISAÇÃO. REQUISITOS. INOBSERVÂNCIA, NA ESPÉCIE. ILEGALIDADE DECLARADA. DIAS PARALISADOS. REPOSIÇÃO. LEGALIDADE. PROCEDÊNCIA PARCIAL DA AÇÃO. Eventual irregularidade da citação não enseja a nulidade do feito, se o Réu compareceu a todas as fases e atos do processo, devidamente assistido por advogado regularmente constituído, sem comprovar qualquer prejuízo efetivo. Aos servidores públicos é garantido o direito de greve, a eles se aplicando, por analogia, a Lei nº 7783/1989, reguladora do direito de greve dos trabalhadores do setor privado. A educação constitui serviço público essencial, admitindo-se seja sua prestação paralisada, desde que mantido um efetivo mínimo garantidor da continuidade de sua prestação e haja comunicação prévia de 72 horas. ( Lei de Greve, arts. 9º e 13). Requisitos não atendidos, na espécie. Reconhecida a ilegalidade do movimento paredista, a determinação de reposição dos dias de paralisação é medida que se impõe. Julgado o mérito da ação o agravo interno resta prejudicado. Procedência parcial da ação. (TJ-BA - AGV: 80114427920188050000, Relator: TELMA LAURA SILVA BRITTO, SEÇÃO CÍVEL DE DIREITO PÚBLICO, Data de Publicação: 29/05/2021)
“DIREITO PROCESSUAL CIVIL. PROCEDIMENTO COMUM. MOVIMENTO PAREDISTA DEFLAGRADO PELOS SERVIDORES DA EDUCAÇÃO DO MUNICÍPIO DE CARDEAL DA SILVA. INOBSERVÂNCIA ÀS REGRAS DOS ARTS. 4º, 11 E 13, DA LEI 7.783/1989. ILEGALIDADE DECLARADA. DESCONTO DOS DIAS NÃO LABORADOS PELOS SERVIDORES QUE ADERIRAM AO MOVIMENTO GREVISTA. POSSIBILIDADES. PRECEDENTES DO STF. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. 1. Aos servidores públicos é garantido o direito de greve, sendo a eles aplicáveis, de forma subsidiária, as regras da Lei 7.783/1989, com parâmetros definidos pela Corte Suprema. 2. Para que o movimento seja declarado legal e não abusivo, faz-se necessária a (a) prévia tentativa de negociação; (b) aprovação em assembleia geral com deliberação sobre a paralisação coletiva da prestação de serviços; (c) comunicação ao empregador (Administração) e aos usuários do serviço, com antecedência mínima de 72 horas, tratando-se de serviços essenciais; e (d) manutenção de percentual mínimo de servidores em atividade. 3. A educação constitui-se como serviço público essencial, sendo admissível a paralisação da sua prestação desde que esgotados todos os meios de negociação, haja comunicação prévia à Administração e aos usuários com antecedência mínima de 72 horas e que seja garantido um percentual mínimo de servidores para garantir a continuidade do serviço. 4. A inobservância aos critérios legais e parâmetros jurisprudenciais definidos pela Suprema Corte ocasiona a abusividade do movimento, que deve ser declarado ilegal. 5. Considerando ainda a utilização analógica da Lei da Greve aos servidores públicos, é perfeitamente viável o desconto dos dias não laborados pelos funcionários que aderiram ao movimento (RE 693.456), ressalvada a adoção, em benefício dos grevistas, de medidas autocompositivas previstas na parte final do art. 7º, da Lei 7.783/1989, ou se a greve tiver sido motivada pela falta de pagamento de salários. 6. Ação que se julga procedente, para o fim de declarar a ilegalidade da greve e para permitir o desconto dos dias não laborados pelos servidores que a ela aderiram.”(TJ-BA - Procedimento Comum: 00193540620178050000, Relator: Raimundo Sérgio Sales Cafezeiro, Seção Cível de Direito Público, Data de Publicação: 31/01/2019)
Pois bem.
Passando a analisar as circunstâncias fáticas em derredor do pedido de tutela de urgência, em sede de cognição sumária, como é próprio desta fase processual, constata-se certas incongruências entre as informações prestadas pela Municipalidade na peça exordial e na manifestação de ID 26906427, situação que fragiliza a plausibilidade do direito para concessão da antecipação da tutela, na amplitude vindicada.
Inicialmente, cabe realçar que o Município não questionou a legitimidade da assembleia para deliberar pela categoria, nem a existência de comunicação aos usuários do serviços, circunstâncias que tornam despiciendo o exame dos citados requisitos.
No pertinente à argumentação de que houve interrupção das negociações em curso, os documentos coligidos até então nos presentes autos indiciam a existência de um impasse nas negociações, tendo a categoria recusado a proposta apresentada pela municipalidade.
Destaca-se, que o Município afirmou expressamente não pagar o piso salarial nacional para, pelo menos, dois níveis da carreira de professores, uma vez que sua proposta era de proceder aumento remuneratório de: “33,24% para os professores de nível I (chegando assim ao piso nacional); quem possui o nível II foi ofertado o valor de 14% (alcançando também o piso nacional), e ao nível III (que já alcança o piso) seria feito um estudo para poder ver o impacto financeiro suportado”.
No pertinente à data de início do movimento paredista, a petição de ID 26906427, alterando exponencialmente as informações exordiais, aduziu que a paralisação das atividades deu-se a partir de 07/03/2022 sem, contudo, corroborar documentalmente suas alegações. Saliente-se que os informes de paralisação apresentados na petição de ID 26906427 e no áudio de ID 26634049, anunciam paralisações em datas isoladas (07/03/2022).
Com efeito, os documentos colacionados aos autos são hábeis a demonstrar que: a) houve paralisação em 07/03/2022, com duração de um dia; e b) o ofício n. 16/2022, subscrito pelo Coordenador em exercício do Núcleo de Presidente Tancredo Neves da APLB, anunciou o início da greve transcorrido 72 (setenta e duas) horas do dia 15/03/2022.
Diversamente, há que se reconhecer a existência de indícios de violação à lei de greve, no pertinente à manutenção da continuidade dos serviços com um número mínimo de servidores.
Isto porque, tratando-se de serviço público na área da educação, é pacífico o seu reconhecimento como atividade essencial, consoante reiterada manifestação jurisprudencial, inclusive deste Tribunal de Justiça, cabendo ao Sindicato garantir a continuidade dos serviços, mediante a permanência de um percentual de servidores em atividade.
No entanto, o mencionado ofício 16/2022, que formalizou a deflagração do estado de greve após 72 (setenta e duas) horas4, não garantiu a manutenção de número mínimo de servidores em atividades.
Por conseguinte, vislumbra-se aparente violação às disposições do art. 11, da Lei 7.783/1989, circunstância que repercute na abusividade da forma como o direito de greve é exercido.
Constata-se, pois, ainda que parcialmente, o fumus boni iuris.
No concernente ao periculum in mora, não há como negar que a paralisação da atividade educacional impacta negativamente a comunidade usuária do serviço essencial que, aliás, já sofreu com paralisação anterior, em razão da Pandemia do Coronavirus. Finalmente, sobre a possibilidade de dedução dos dias de paralisação, o STF fixou o posicionamento, em recurso que tramitou sob o regime de repercussão geral que:
“A administração pública deve proceder ao desconto dos dias de paralisação decorrentes do exercício do direito de greve pelos servidores públicos, em virtude da suspensão do vínculo funcional que dela decorre, permitida a compensação em caso de acordo. O desconto será, contudo, incabível se ficar demonstrado que a greve foi provocada por conduta ilícita do Poder Público.’ (RE 693.456/RJ).”
Assim, o cabimento de descontos ou compensação há que ser analisado no julgamento do mérito da ação.
Por conseguinte e sem que esta decisão vincule o entendimento deste Relator acerca do mérito causae, os elementos indiciários constantes dos autos demonstram o fumus boni iuris e o periculum in mora autorizadores da concessão parcial do pedido de tutela antecipada, para determinar que a parte ré, no prazo de 48 horas (quarenta e oito) horas:
a) garanta a continuidade do serviço público educacional, com a presença de, no mínimo, 30% (trinta por cento) dos servidores que integram a categoria;
b) obste os integrantes da categoria de praticarem atos que impeçam ou constranjam a parcela de servidores que garantirão a prestação dos serviços, bem como quaisquer outros que não pretendam aderir a greve de ingressar nos ambientes de trabalho e desempenhar suas atribuições laborais na rede municipal de ensino.
2. Conclusão
Ante o exposto, sem que esta decisão vincule o entendimento do relator acerca do mérito causae, DEFIRO parcialmente o pedido de antecipação da tutela para determinar que a parte ré, no prazo de 48 horas (quarenta e oito) horas:
a) garanta a continuidade do serviço público educacional, com a presença de, no mínimo, 30% (trinta por cento) dos servidores que integram a categoria;
b) obste os integrantes da categoria de praticarem atos que impeçam ou constranjam a parcela de servidores que garantirão a prestação dos serviços, bem como quaisquer outros que não pretendam aderir a greve, de ingressar nos ambientes de trabalho e desempenhar suas atribuições laborais na rede municipal de ensino.
Comina-se, em caso de incumprimento ou mora no cumprimento da tutela provisória, multa diária de R$ R$ 1.000,00 (mil reais), intimando-se pessoalmente os representantes legais da parte ré, em observância da Súmula 410 do STJ5.
Cite-se a parte demandada para contestar esta ação no prazo de lei, sob pena de revelia.
Após, retornem-me os autos conclusos.
Em atenção aos princípios da celeridade e economia processual, atribuo à presente decisão força de MANDADO/OFÍCIO.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Salvador, 7 de abril de 2022.
DES. GEDER LUIZ ROCHA GOMES
RELATOR
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