Experimentos foram feitos no Instituto de Medicina Tropical da USP com plasma sanguíneo de 60 voluntários infectados em 2020 pela linhagem B.1.1.28 do SARS-CoV-2. Em 84% dos casos, os anticorpos presentes nas amostras foram capazes de neutralizar a nova variante em culturas celulares (foto: acervo dos pesquisadores) |
Karina Toledo | Agência FAPESP – Testes laboratoriais conduzidos no Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo (IMT-USP) sugerem que, na grande maioria dos casos, os anticorpos gerados durante uma infecção pela cepa ancestral do novo coronavírus são capazes de neutralizar também a variante P.1, que emergiu em novembro de 2020 na cidade de Manaus (AM) e é considerada mais transmissível.
Os experimentos foram feitos com plasma sanguíneo coletado entre maio e junho do ano passado de 60 voluntários infectados pela linhagem B.1.1.28 do SARS-CoV-2, a primeira identificada no país. Em 84% dos casos, os anticorpos presentes nas amostras coletadas após o 15o dia de infecção foram capazes de neutralizar a P.1 em culturas celulares.
Os dados completos do estudo, financiado pela FAPESP, foram divulgados na plataforma medRxiv e ainda estão em processo de revisão por pares.
“Os resultados sugerem que os indivíduos infectados pela cepa ancestral do SARS-CoV-2 tendem a estar mais protegidos caso se deparem com a nova variante. Isso não elimina o risco de reinfecção, de doença sintomática ou mesmo de morte. De qualquer forma, traz uma mensagem de esperança num momento em que as coisas estão bem complicadas”, afirma Maria Cassia Mendes-Correa, professora da Faculdade de Medicina (FM-USP) e primeira autora do artigo.
A pesquisa foi conduzida no âmbito do Programa Corona São Caetano, uma plataforma on-line criada para organizar o monitoramento remoto de moradores com sintomas de COVID-19 por equipes de saúde e a coleta domiciliar de amostras para diagnóstico. A iniciativa envolve a Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), a prefeitura local, a startup MRS - Modular Research System e o IMT-USP (leia mais em: agencia.fapesp.br/33604/).
Após ter o diagnóstico confirmado por teste de RT-PCR, os 60 voluntários com sintomas leves incluídos no estudo foram monitorados durante 42 dias e submetidos a coletas semanais de sangue para análise do perfil sorológico. Cada amostra de plasma passava por um ensaio de vírus-neutralização (VNT), procedimento que envolve o cultivo do SARS-CoV-2 in vitro e, por esse motivo, requer estrutura laboratorial com alto nível de biossegurança.
Diferentemente dos testes laboratoriais comuns, que detectam a presença dos anticorpos IgM (imunoglobulina M, o primeiro a ser produzido na fase aguda) e IgG (imunoglobulina G, que aparece no fim da fase aguda), a técnica VNT permite dosar no plasma a quantidade de anticorpos neutralizantes – capazes de se ligar à ponta da proteína spike, que é usada pelo SARS-CoV-2 para se conectar com o receptor da célula humana e viabilizar a infecção. Essa região da proteína é conhecida como RBD (sigla em inglês para domínio de ligação ao receptor).
A variante P.1 tem causado preocupação por apresentar mutações na proteína spike – algumas delas na região RBD.
“O anticorpo neutralizante é uma das principais ferramentas antivirais do organismo. Sua produção ocorre gradativamente até alcançar uma quantidade suficiente para abortar a infecção. Na maioria dos pacientes, a curva sobe nas duas primeiras semanas e depois permanece estável”, conta a pesquisadora à Agência FAPESP.
Nos testes feitos com a linhagem B.1.1.28, os anticorpos presentes no plasma coletado de 56 voluntários (90%) conseguiram neutralizar o vírus em cultura. Já no caso da P.1, amostras de 50 participantes (84%) foram bem-sucedidas no teste. Nos dois casos, somente após o 15o dia de infecção houve quantidade suficiente de anticorpos neutralizantes para combater o vírus, sendo que o desempenho frente à cepa ancestral foi superior em todos os momentos avaliados.
“Importante ressaltar que os testes foram feitos com plasma coletado em 2020 e, portanto, não é possível afirmar que hoje essas pessoas estariam igualmente protegidas. Os anticorpos neutralizantes, assim como os do tipo IgG e IgM, tendem a decair com tempo”, explica a pesquisadora.
Para dirimir essa dúvida, o grupo do IMT-USP está repetindo os ensaios com amostras de plasma coletadas dos mesmos voluntários 180 dias após a infecção. Os resultados dessa segunda etapa da pesquisa devem ser divulgados em breve.
Além disso, os pesquisadores estão testando o plasma coletado em 2020 contra outras variantes de preocupação, como a B.1.1.7 (descoberta no Reino Unido) e a B.1.351 (da África do Sul).
Embora sejam uma das principais ferramentas do sistema imune para combater o vírus, os anticorpos neutralizantes não são a única, diz Mendes-Correa. “A imunidade celular, mediada por linfócitos [células capazes de reconhecer e destruir o patógeno], é outro mecanismo envolvido na defesa frente ao SARS-CoV-2 e também constitui importante ferramenta nesse processo. Acreditamos que a combinação desses dois mecanismos resulta na nossa capacidade de nos livrarmos de patógenos.”
O artigo Individuals who were mildly symptomatic following infection with SARS-CoV-2 B.1.1.28 have neutralizing antibodies to the P.1 variant pode ser lido em www.medrxiv.org/content/10.1101/2021.05.11.21256908v1.
Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.
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