Frequência de mutações em bactérias pode ser maior que o esperado

Cientistas do Instituto de Ciências Biomédicas da USP descobriram que o crescimento de bactérias mutantes é inibido por bactérias selvagens, que competem por recursos nutricionais, mascarando a real frequência de mutantes

Arte de Lívia Magalhães com imagens de Pixabay e Flaticon
 Pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP conseguiram desvendar o mecanismo responsável por “mascarar” a real frequência em que aparecem bactérias mutantes. O estudo, feito com a Escherichia coli, mostrou que, na competição por recursos naturais entre bactérias mutantes (linhagem geneticamente modificada) e selvagens (linhagem de referência), essas últimas “roubam” a fonte de energia usada para que as mutantes se reproduzam. O estudo deu origem a um artigo, publicado na revista BMC Biology.
Mutações são características naturais de bactérias, mas também podem ser determinadas por condições ambientais. Sob estresse, por exemplo, uma fração ou toda a população bacteriana aumenta sua taxa de mutação – algo como um mecanismo de resposta aos desafios ambientais.
O professor Beny Spira é coordenador do Laboratório de Genética Bacteriana do ICB onde estuda, há mais de 20 anos, adaptações e evolução das bactérias no ambiente. “A ideia dessa investigação aconteceu há um certo tempo, enquanto eram realizados outros experimentos no laboratório”, disse ao Jornal da USP o professor e um dos autores do estudo.
Spira e sua equipe cultivavam bactérias selvagens no meio líquido, e quando o suplementavam com glicerol-2-fosfato (G2P) – molécula rica em carbono, utilizada por esses microrganismos como fonte de energia – notavam que as mutantes apareciam lentamente. “O normal é que haja colônias em 48 horas. Mas no experimento, as mutantes começaram a surgir somente 72 horas depois da semeadura, e foram cerca de 100 vezes menor que o esperado”, explica.
A) Uma única bactéria mutante (azul) produz moléculas de glicerol que se difundem e são capturadas pelas células de tipo selvagem circundantes. A concentração de glicerol nas proximidades da mutante é insuficiente para permitir o seu crescimento ou das células vizinhas do tipo selvagem, levando ao colapso da população. B) Um aglomerado de dois mutantes alimentando-se mutuamente. Nessas condições, a concentração de glicerol disponível para eles aumenta. O glicerol se move livremente entre as células, sendo, portanto, suficiente para fomentar o crescimento de uma colônia – Imagem: BMC Biology/Reprodução
 
Intrigados, os pesquisadores decidiram isolar os mutantes após o décimo dia de semeadura e notaram que eles cresciam normalmente após 48 horas. “Levantamos todo tipo de hipótese, mas chegamos à conclusão que era uma competição por carbono. As bactérias selvagens roubam o glicerol produzido pelas mutantes, que ficam sem energia para se desenvolver”, detalha Spira.
Para utilizar o carbono do G2P, a bactéria precisa quebrar a ligação entre o fosfato e o glicerol. Essa é a função da enzima fosfatase alcalina, localizada no espaço entre a membrana interior e exterior, o periplasma, da bactéria. Em bactérias selvagens, a produção dessa enzima é baixa – só é possível aproveitar o G2P se a bactéria sofrer mutação. Os mutantes superexpressam a fosfatase alcalina, que hidrolisa grandes quantidades de G2P, permitindo a sua utilização como fonte de carbono e o consequente crescimento e formação de colônias.
Figura com localização do espaço periplasmático, que ocorre somente em bactérias gram-negativas – Foto: Anvisa/Reprodução
 
Como a enzima quebra o G2P no periplasma, apenas parte do glicerol é absorvida. O restante acaba saindo da bactéria mutante e é consumido pelas bactérias selvagens competidoras. Em experimentos com outras milhares de cepas de E. coli, a teoria foi confirmada: apenas bactérias que não têm capacidade de absorver glicerol permitem que a mutante cresça.
“Esse achado nos deixa em alerta, pois temos um sistema de mutação que pode ocorrer com outras bactéria”, diz Spira. “Então, quando se observa uma determinada frequência de mutantes em uma população, talvez tenhamos que colocar o pé atrás e perguntar se o resultado é esse mesmo”, relata o professor. E conclui: “Os resultados trazem um ponto de interrogação no que se obtêm em laboratórios mundo afora”.
Com informações da Assessoria de Comunicação do ICB
Fonte: Jornal da USP

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