“Queremos estar prontos antes da crise”, diz professor Amaro Nunes Duarte Neto, padronizando testes testes para vírus perigosos que ainda não circulam no País
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Arte: Daniela Gonçalves* | Estrutura do vírus da raiva - Foto: Domínio Público/CDC via Wikimedia Commons |
Jornal da USP
O Instituto de Medicina Tropical da Faculdade de Medicina da USP desenvolve o projeto Prepare, iniciativa pioneira para capacitar o laboratório de Patologia no diagnóstico rápido de agentes infecciosos com potencial epidêmico. O professor Amaro Nunes Duarte Neto explica que o projeto surge como resposta aos desafios enfrentados durante a pandemia de covid-19 e busca criar protocolos prontos para doenças que ainda não circulam no Brasil, mas representam ameaças globais. “A ideia desse projeto é adquirirmos esses reagentes e padronizar esse diagnóstico antes que o evento ocorra, esperamos que não ocorra, não? Mas, caso ocorra, o laboratório já estaria preparado para o diagnóstico rápido, dando uma resposta rápida à saúde pública”, comenta o professor.
Diagnóstico prévio como estratégia
Inspirado na lista de patógenos prioritários da OMS – que inclui vírus como ebola, marburg, nipah e variantes do sar-cov – o Prepare trabalha na padronização de técnicas de análise tecidual antes da eventual chegada desses agentes ao País. A abordagem combina microscopia tradicional com métodos imuno-histoquímicos avançados, permitindo não apenas identificar o patógeno, mas também entender seus efeitos nos tecidos humanos, informação crucial para orientar tratamentos.
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Amaro Nunes Duarte Neto - Foto: Arquivo pessoal |
A experiência com a covid-19 evidenciou gargalos críticos: atrasos na importação de reagentes, dificuldades de biossegurança e demora na confirmação de casos. O projeto transforma essas lições em ação, estocando insumos e desenvolvendo protocolos para evitar que novos surtos encontrem o sistema despreparado. Duarte Neto comenta: “Esperamos que não tenhamos essas doenças, mas, se acontecer de chegar, estaremos preparados; então foi um aspecto negativo e a gente tenta olhar com esse projeto de uma forma positiva para o futuro”.
Início do projeto
O projeto iniciou seus trabalhos focando no vírus nipah (Nipah RIMTSP), patógeno de origem animal com taxa de mortalidade de 70%. Endêmico no Sudeste Asiático, o nipah causa encefalite grave e preocupa pela possibilidade de dispersão global. Uma colaboração com pesquisadores da Malásia permitiu ao time brasileiro analisar amostras e padronizar técnicas diagnósticas, resultado já publicado em revista científica de acesso aberto.
O professor explicou que a transmissão do vírus nipah para humanos ocorre através de uma cadeia peculiar envolvendo morcegos frutíferos e práticas culturais. Nas regiões endêmicas do Sudeste Asiático existe um costume tradicional de coletar seiva de palmeiras durante a noite, utilizando jarros de cerâmica colocados no topo das árvores. Os morcegos, ao lamberem esses recipientes e o tronco das palmeiras durante a noite, contaminam a seiva com o vírus. Quando os coletores retiram o líquido pela manhã e o processam para vender como bebida tradicional, ocorre a transmissão para os trabalhadores que manipulam o produto e posteriormente para os consumidores. “Esses surtos estão associados com um problema que é, claro, de saúde única. Assim, é uma zoonose, não? Ocorre o chamado spillover, do animal para o ser humano, e ela tem uma gravidade muito alta”, conta Duarte Neto sobre o vírus.
Próximos passos e preocupações imediatas
Além do nipah, o Prepare avança no estudo de outros vírus da lista da OMS, com atenção especial ao H5N1 – subtipo da influenza aviária que já registrou casos em aves sul-americanas. A equipe já padronizou testes para esta cepa, cujo potencial pandêmico preocupa autoridades sanitárias globais. O projeto segue um cronograma que prioriza os patógenos com maior risco de emergência, combinando pesquisa básica com preparação operacional para cenários de crise.
Enquanto o Brasil não registra casos de muitas dessas doenças, a iniciativa representa uma mudança de paradigma: de reativo a proativo na saúde pública. Ao investir em conhecimento e infraestrutura antes das emergências, o País se posiciona na vanguarda da preparação para futuras ameaças epidemiológicas, sejam elas conhecidas ou inesperadas.
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