Diário Tancredense

Qual a diferença entre fome e insegurança alimentar?

“É uma contradição, de fato, um país que se define como celeiro do mundo ter milhões de pessoas com insegurança alimentar grave, ou seja, passando fome”, diz professora da Faculdade de Saúde Pública da USP

A ONU conceitua a fome como a falta de acesso consistente aos alimentos

O Brasil tem, hoje, 10,1 milhões de pessoas passando fome. Isso é o que revela um relatório do Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo 2023 da ONU. Ainda: o mesmo relatório aponta que entre 691 e 783 milhões de pessoas estavam em situação de fome, mundialmente, em 2022.

Houve um expressivo crescimento no número de pessoas passando fome pós-pandemia. Foram 122 milhões de pessoas a mais nessa situação do que em 2019. Em relação à insegurança alimentar, a moderada e severa permaneceram iguais em 2021 e 2022, mas muito acima dos níveis pré-pandêmicos. Houve um salto de 25,3% para 29,6%, totalizando 2,4 bilhões de pessoas com insegurança alimentar em 2022, 391 milhões a mais do que em 2019. O relatório projeta que quase 600 milhões de pessoas estarão em situação de insegurança alimentar em 2030.
 
Fome e insegurança alimentar

Muito confundidos, fome e insegurança alimentar não são a mesma coisa. “A ONU conceitua a fome como a falta de acesso consistente aos alimentos, o que diminui a qualidade da dieta e interrompe os padrões normais de alimentação. É a privação crônica de alimentos”, explica Dirce Marchioni, professora do Departamento de Nutrição e coordenadora do recém-criado Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Combate à Fome, ambos da Faculdade de Saúde Pública da USP.

A insegurança alimentar, por sua vez, é a redução na quantidade e qualidade dos alimentos, assim como a falta deles por um ou mais dias. Ela é classificada em três categorias, explica a professora: a leve é quando existe incerteza sobre a capacidade para conseguir alimentos; moderada, quando a qualidade, a variedade e a quantidade ingerida se reduzem de forma drástica ou quando determinadas refeições não são realizadas; e grave, quando não são consumidos alimentos durante um dia inteiro ou mais.

Dirce Marchioni – Foto: Divulgação/FSP-USP
 
“Nesse sentido, a fome e a insegurança alimentar grave se confundem e dizem a mesma coisa, ou seja, a privação de alimentos que ocorre como uma perversa rotina”, afirma Dirce.
 
Safra recorde

O Brasil teve safra recorde em 2022, quando atingiu 263,2 milhões de toneladas. Neste ano, o Levantamento Sistemático de Produção Agrícola (LSPA) prevê um novo recorde: a estimativa é que a safra nacional de cereais, leguminosas e oleaginosas chegue a 308,9 milhões de toneladas.

“O fato de ter uma safra recorde após a outra não garante a comida no prato dos brasileiros. Para chegarmos a um estado de segurança alimentar é necessário o acesso aos alimentos, ou pelo menos aos meios de produção deles, que sejam de qualidade, seguros e que permitam que os indivíduos e suas famílias tenham uma vida saudável”, explica a professora.

“É uma contradição, de fato, um país que se define como celeiro do mundo ter milhões de pessoas com insegurança alimentar grave, ou seja, passando fome”, afirma. A fome é um problema complexo, de raízes estruturais e que necessita de políticas públicas para ser resolvida. Outros fatores estão relacionados à insegurança alimentar, como a renda, a falta de acesso à água, a degradação dos solos, as crises econômicas e de governança.

“Não podemos esquecer, também, das mudanças climáticas, que têm o potencial de ameaçar a segurança alimentar pelos fenômenos climáticos extremos como chuvas e secas, que afetam a produção de alimentos”, lembra Dirce.



Fonte: Jornal da USP - Por Julia Estanislau*
*Estagiária sob supervisão de Paulo Capuzzo

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